“Por que você continua então?”
Enquanto ela me olhava com os olhos verdes ávidos por uma resposta que pudesse fazer sentido, só conseguia pensar em como eu andava fugindo daquela pergunta.
O ano era 2021 e eu sonhava com aquela viagem há algum tempo. A ideia de voltar à Bahia com um novo amor alimentava a minha esperança de que todo o desgaste e cansaço mental do excesso de trabalho seria resolvido - ledo engano.
A noite estava linda; o céu estrelado encerrou com brilhantismo um dia perfeito, mesmo nublado. Enquanto nossos respectivos companheiros degustavam cervejas artesanais diversas ao longo de uma caminhada pela terra batida característica de Caraíva, eu e Lud, grávida de cinco meses, decidimos parar para um sorvete - e um descanso para os pés da gestante. Foi nessa pausa que aquela (jovem) mulher, que conheci havia pouquíssimos dias, me fez a pergunta que eu tentava calar dentro de mim já algum tempo:
“Por que você continua então?”
Entramos no assunto trabalho porque ela me contou como ela e o marido haviam deixado toda uma vida de privilégios no Espírito Santo para morar em Trancoso, um dos lugares mais populares (e lindos) da Bahia. Nessa época em que os vistamos em terras baianas, o casal, que vinha de famílias de classe média alta, vivia em uma casa lindinha, no melhor estilo rústico-casa-na-árvore, sabe? E qual não foi a minha surpresa quando descobri que eles mesmos a tinham construído! Naquela época isso era muito disruptivo pra mim, alguém que sempre viveu dentro de um universo em que tudo se conquistava trabalhando e comprando, não construindo com as próprias mãos. Lembro que a simplicidade da vida deles me tocou, mas também lembro de sentir um distanciamento daquilo, como se não fosse possível viver daquele jeito de forma prolongada.
Com o sorvete na mão e acomodada num pequeno banquinho de madeira na esquina da loja, Lud me contou que trabalhava de forma remota administrando um negócio da família, além do restaurante que ela e o marido tinham no centro de Trancoso. Trocamos figurinhas sobre branding e marketing para a marca deles e foi assim que chegamos na minha transição de carreira para gestão de pessoas, poucos meses antes da explosão da pandemia. Enquanto eu deixava o geladinho de tapioca escorrer pelos meus dedos, compartilhei com ela uma, ainda tímida, dúvida sobre o meu futuro: foi a primeira vez em que me dei conta de que aquela rotina profissional estava engulindo a minha vontade de viver - e também de trabalhar.
“Por que você continua então?”
Meu sorriso amarelo entregou que me faltavam palavras. A verdade é que eu não tinha a resposta porque não queria lidar com tudo o que vinha junto da pergunta. O olhar dela não me julgava, apenas me provocava com uma expressão incrédula. Ter sucesso no trabalho é bom, mas viver é melhor. Talvez ela nem tenha dito essa frase de fato, mas foi o que ficou do nosso papo.
Já no carro, a caminho de volta para Trancoso, Lud e seu barrigão assumiram a direção, em um percurso tão escuro quanto a minha visão sobre o futuro. A playlist nas alturas foi um pedido dela e a cada curva daquela estrada de chão esburacada, eu pensava na coragem que ela colocava pra fora e eu insistia em guardar. Velvet Moon começou a tocar e eu, a pensar.
ouça aqui: Catch the Wave | Velvet Moon
Eu nunca mais parei de ouvir essa música. Dali em diante, a coragem enfrentou o medo e me permitiu, ainda de forma inconsciente, começar a buscar a resposta para aquela pergunta. Naquele mesmo ano, meses depois, eu receberia o diagnóstico de burnout, não por acaso, no mês de setembro, em que tanto se fala sobre saúde mental. Aqui eu compartilhei um pouco da sensação física desse quadro.
A mensagem dessa carta de hoje chegou junto com esse setembro, que muitas vezes só é amarelo no sorriso blazé que a gente sente que precisava entregar para os outros. Como li esses dias em uma publicação no LinkedIn:
“a verdadeira coragem está em reconhecer o impacto das suas ações e mudar de comportamento.”
A Lud nem sabe, mas foi ela quem me fez começar a enxergar isso. Pouco mais de dois anos depois, cá estou, te escrevendo da varanda da minha casa na Bahia, em uma segunda-feira à tarde, admirando a imensidão verde que invade meu campo de visão e me faz ter a certeza do porquê escolho continuar nessa nova vida.
E se você chegou até aqui, talvez seja a minha vez de te perguntar:
“Por que você continua então?”
*toda essa memória veio até mim depois de visitar a minha linha do tempo, um exercício prático (e muito poderoso) que disponibilizo dentro do método liderança única - meu programa para desenvolvimento de liderança orientada por valores, criado pra você que quer viver e trabalhar com mais propósito e conexão.
se fizer sentido pra você, me chama aqui pra gente conversar :)
Oi, aqui é a Lu. :)
E há pouco mais de 1 ano eu decidi abrir mão de uma vida estável na zona sul do Rio de Janeiro, junto de uma carreira bem sucedida de 15 anos no mundo corporativo, para realizar o sonho de morar na Bahia e parar de viver só para trabalhar.
Escrevo essas cartas para compartilhar um pouco do meu processo de autodesenvolvimento e assim encorajar outras mulheres a se permitirem viver mais conectadas com o que acreditam, sem deixar de liderar por conta disso.
Se você gosta desse tipo de conteúdo, clica aqui pra não perder a próxima carta:
São situações como essa que fazem a gente perceber que, com frequência, a pergunta certa é mais importante que a resposta 🤍
Putz, me vi muito na parte onde você diz que: a verdade é que não tinha a resposta porque não queria lidar com tudo o que vinha junto da pergunta - por que você continua?
Obrigado por compartilhar...